Massacre ocorre mesmo com resolução do STF que suspende operações na pandemia. Um policial civil morreu baleado na cabeça e duas pessoas ficaram feridas por tiros que chegaram a um vagão do Metrô.
Em entrevista coletiva por volta de 17h, a Polícia Civil confirmou o número de mortes e afirmou que seis pessoas foram presas, sendo que três delas tinham mandado de prisão expedido. Além disso, a Operação Exceptis também apreendeu 16 pistolas, seis fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro, e os agentes investigavam o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas. “As investigações continuam, outras operações virão, e a gente busca não permitir que essas crianças sejam aliciadas pelo tráfico”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. As autoridades negaram os abusos relatados por moradores e afirmaram que os policiais agiram em legítima defesa. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”.
A ação policial desta quinta-feira demonstra que, mesmo durante a pandemia de coronavírus, a política de segurança pública do governador Cláudio Castro (PSC) no Estado do Rio segue sendo pautada pelo confronto direto com traficantes de drogas em favelas e bairros periféricos, em desrespeito a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Em junho do ano passado, o STF proibiu operações policiais desse tipo durante a crise sanitária, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao Ministério Público do Rio —que, por sua vez, afirma ao EL PAÍS ter recebido a notificação da operação desta quinta às 9h, depois de seu início.
Um mês depois da decisão do Supremo, as operações policiais diminuíram 78%, as mortes em tiroteios caíram 70% e a quantidade de feridos, 50%. Ao mesmo tempo, 30 vidas teriam sido poupadas em julho, segundo uma pesquisa feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mas, mesmo com a ordem do STF, os números voltaram a crescer em novembro. Somente em 2021, o Instituto Fogo Cruzado já registrou 30 chacinas —casos em em que três ou mais pessoas foram mortas a tiros em uma mesma situação— na região metropolitana do Rio. “Ao todo, já são 139 mortos nessas circunstâncias”, afirma a plataforma, que monitora os tiroteios no Estado.
Nos dias 16 e 19 de abril deste ano, o ministro Edson Fachin realizou uma audiência pública com familiares de vítimas, organizações não-governamentais, especialistas e representantes das corporações policiais para debater estratégias de redução da letalidade policial. “É surreal que, duas semanas depois dessas audiências, a polícia continue com essa lógica do confronto, que coloca em risco nossa vida e que não respeita os nossos direitos, nossas casas e nossas vidas”, afirmou um morador do Jacarezinho em condição de anonimato.
A operação desta quinta começou por volta de 06h45, com helicópteros dando rasantes e policiais avançando pelos trilhos do trem e do metrô, que cortam a favela na superfície. “Eram muitos policiais entrando por todas as áreas do Jacarezinho. Muitos estão encapuzados. A gente recebeu a notícia que um deles foi baleado, e aí os tiros passaram a ser bem mais intensos”, afirmou o mesmo morador, que acredita que os agentes passaram a agir com revanchismo —como já aconteceu em outras ocasiões no Rio.
O tiroteio intenso também afetou a circulação do metrô e feriu dois passageiros dentro de um vagão. Uma Clínica da Família e outros dois postos de vacinação contra a covid-19 precisaram ser fechados. Os moradores tiveram que se trancar em casa para se proteger dos tiros, deixando as ruas praticamente desertas. Uma noiva estava de casamento marcado e uma mulher grávida havia agendado uma cesariana para o dia.
O EL PAÍS recebeu imagens de corpos caídos no chão e de pessoas ensanguentadas. Também circulam fotografias do interior de algumas casas. Nelas, paredes e pisos aparecem com marcas de bala e grandes manchas de sangue. “Tenho uns 10 relatos de pessoas contando que a polícia entrou em suas casas revistando e jogando tudo para cima. A favela inteira está tomada”, afirma o morador. Em um áudio recebido por este jornal, outra pessoa relata a seguinte cena: “Entramos numa casa aqui com pedaço de massa encefálica. Invadiram a casa de uma senhora e torturaram o cara aqui dentro, a casa está toda suja de sangue”. Outra também relatou que em uma residência havia quatro mortos em uma laje e que os agentes não deixavam ninguém entrar. Há também denúncias de que agentes confiscaram telefones de moradores, sob o argumento de que mandavam informações para traficantes, segundo o G1. “Estão pegando telefone e agredindo morador”, relatou uma pessoa ao programa RJ1, da TV Globo.
A ação resultou na segunda maior chacina do Rio de Janeiro. A maior até o momento ocorreu nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense, em 2005. Nesse dia, grupos de extermínio formado por policiais mataram 29 pessoas. A operação também supera as chacinas de Vigário Geral, que terminou com a morte de 21 pessoas em 1993; da Vila Vintém, onde uma disputa de traficantes deixou 19 mortos; e do Complexo do Alemão, onde uma operação policial também resultou na morte de 19 pessoas em 2007.
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